A câmera-narradora

A câmera-narradora
Em geral, em um documentário, precisamos mais de um/a operador de câmera do que
de um fotógrafo. Alguém que seja mais um câmera-narrador-montador (a estética,
a luz vem junto) do que de alguém que esteja priorizando luz, estética… o
primeiro se vira de acordo com o que se apresenta diante dele, filma um roteiro
vivo, ou melhor, filma e escreve com a sua câmera, o roteiro enquanto roda. O
segundo, atrás da imagem “perfeita”, se estressa com o mundo em
movimento, quer controlar, não sabe lidar com o caos, a fluidez e o descontrole
natural da vida, quer que o tempo pare para câmera e esteja à disposição da
fotografia (quadro, cor, diafragma..), Ação: ao dar o “Rec”, as “cenas”
já passaram, perdeu o beijo, perdeu o gol, o tiro, o corre, perdeu o amor… aí,
ele pede um segundo take ao diretor, ao mundo… Perdeu!!! Perdeu… na vida (não-ficção filmes), 

não
há segundo take, nem terceiro.


Diante disso, eu assisto aos jogos de futebol e penso que, os operadores de câmera que filmam o futebol estão em tudo, não perdem nada. Estes seriam / já são, preciosos câmera-narradores em
documentários. Fico desejando usar quem filma futebol pra filmar documentários.
Sim, precisamos mais de um camera-person do que de um fotógrafo nos
documentários… 


Os fotógrafos de ficção têm um guião (roteiro), caminham, olham, “miram” com este
guia, tira-se o guia (roteiro), ficam cegos, se perdem na floresta (filme). Além
do guião, tem 3, 4, 7, 9 outros “guias” a seu serviço… 1º, 2º, 3º assistente de
câmera… foquista, maquinistas… eletricistas… 
ou seja, andam em bando e são pesados (equipamentos volumosos). Não
andam só. Essa é escola, a cultura, a prática destes… para a ficção, apesar do
exagero técnico e do over-crew, ok.

 Para a não-ficção, jamais.



Os câmera-documentaristas, vem de outro
lugar. E sabem andar só sem
se perderem na floresta, desenham o caminho enquanto andam. Vem de filmes, onde filmam sozinhos. Muitas vezes acumularam
funções, dirigem e editam, além de fotografar. É uma outra escola, um outro
treino, outra percepção.


Estejam atentos na hora de escolher alguém pra filmar um documentário com
vocês. Não adianta chamar um “super nome” da fotografia de ficção, pagar um
over-salário, machucar o seu orçamento com a superestimada fotografia, pois o
fotógrafo de ficção não vai entregar o desejado… e não entrega mesmo.
 É como se o cara da ficção fosse um sedentário, e a mana dos docs., fosse uma nômade. É isso. O que é um set de filmagens senão um acampamento, estático? Sim, um acampamento de alta sofisticação
estrutural e tecnológica, mas é isto. Às vezes, uma vila, uma pequena cidade. A
nômade, está em movimento mesmo quando tem sua câmera em um tripé, filmando uma
entrevista: é o momento não-movimento desta câmera, pois o movimento está no
quadro, no gesto, na fala do entrevistado, enquanto o quadro é fixo.



Eu vim da fotografia, mas há tempos, transitei para a ilha de edição. Me tornei montador, no entanto trouxe a fotografia e principalmente a operação de câmera para a ilha. A
estação de montagem é a minha grande mestra, superou à todas e todos os mestres e mestras que
a precederam. A ilha é o meu “lugar de fala”, neste texto. Receber um material
pensado, “pré-montado” pelo fotógrafo/a, é essencial (amor e gratidão), de
outro modo, ficamos na ilha resolvendo encrenca entre imagens que não se
juntam… (indignação e raiva!!).



Ok, não se precisa ir atrás de um fotógrafo que filme futebol, mas busque um
que tenha a prática e a cultura do documentário… um que filme montando… um que
produza imagens que sejam celebradas na ilha de edição, sim, este que pensa
montagem enquanto filma. Elas e eles são raros mas estão por aí. Trabalhei com
algumas e alguns fotógrafos/a com essa pegada. Se precisarem, me perguntem, eu
indico. Por ora, cito somente uma, a Mestra Marcela Bourseau, a câmera-documentarista
que filma montando e que me ensinou tudo sobre a câmera que narra. Estivemos
juntos filmando, em alguns docs., ela enquanto fotógrafa e eu assistente de
direção (‘Pantaneiros’, ‘Jaguar’), em outros, eu dirigindo e ela filmando (Time
For School /PBS). Vê-la filmar e depois montar esse material foi o inicio e a
base estrutural para o aprendizado que descrevo neste texto.

Por fim, cito exemplos, onde trabalhei e outros que assisti e que me formaram: No filme Curumim, o Homem que Queria Voar, montado por mim, o realizador Marcos Prado, além de dirigir, é um câmera-narrador, quando filma em Super-8, em Amsterdam e Los Angeles. Jean RouchAgnès VardaRaymond DepardonRuth BeckermannPierre-Yves Vandeweerd
, Chris Marker entre outras e outros são exemplos de realizadoras e realizadores que filmam com a atenção e a presença descritas ao longo desse texto.

Alexandre Lima

Portrait of Agnès Varda while filming Sans toit ni loi, France, 1985. Photo by Micheline PELLETIER/Gamma-Rapho

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